Músico e antropólogo de dia, e cantoneiro à noite. A profissão do Pedro faz dele um dos responsáveis por todos os dias acordarmos numa cidade mais limpa.

 

Não lhe restam muitas horas vagas, mas aceitou levar-nos numa viagem pela noite dentro e pela profissão que lhe permite dar um mundo melhor à filha.

 

Pedro Calado

 

“Sou músico há 20 anos e há 10 anos, fui convidado para fazer um projecto artístico que juntasse o serviço de higiene urbana e a arte. Foi a minha introdução à higiene urbana e ao serviço de cantoneiro.

 

Com o Covid, a arte na minha vida quase desapareceu. Durante mais ou menos um ano tive quatro espectáculos. Estava mesmo a precisar de um trabalho fixo. E dou graças a Deus por estar a trabalhar na higiene urbana porque me aguentou durante todo este período de Covid.

 

Actualmente, tenho a facilidade de conseguir trabalhar como cantoneiro, ser trabalhador-estudante. Gostava de melhorar a higiene urbana em Lisboa. Relacionado com a minha licenciatura em antropologia, estou a desenvolver uma etnografia acerca de como é que as coisas podem melhorar, e talvez encontrar outras respostas.

 

Não há um tipo de pessoa que é cantoneiro

 

De professor das pessoas que fazem higiene urbana passo a ser colega das pessoas que fazem higiene urbana. E as pessoas perguntam-me: ‘Porque é que estás aqui a trabalhar connosco?’. Mas, rapidamente, as pessoas percebem que os tempos estão difíceis e não há propriamente um tipo de pessoa que é cantoneiro. O que eu sinto é que há especialistas em quase todos os assuntos. Se eu tivesse de classificar, eu seria o especialista em cultura geral porque percebo um bocadinho de quase todas as coisas, falo várias línguas, tenho conhecimentos de informática. Quando algum dos meus colegas precisa de qualquer coisa com o telemóvel, lá vem falar comigo e diz-me: ‘Como é que eu consigo fazer um vídeo no Whatsapp?’ Eu sou o especialista em tecnologia, em música, claro.

 

Actualmente, tenho um problema: como sou trabalhador-estudante, trabalho menos de cinco horas do que os meus colegas todos. E eu respondo sempre a mesma coisa: ‘Esta benesse que eu tenho é comum a todos os trabalhadores. Portanto, vocês deviam voltar para a escola e continuar a vossa formação. E teriam exactamente os mesmos benefícios. Eu não sou diferente de ninguém. Somos todos iguais.’

Pedro

 

Tirar coisas a pessoas que já não têm nada

 

O meu trabalho tem coisas chatas. Há coisas muito boas. O reconhecimento das pessoas é incrível, quando me dizem ‘obrigado’ por qualquer coisa... Mas depois tem coisas muito chatas. O mais difícil no meu trabalho é quando a higiene urbana é convocada para ir ajudar na manutenção do espaço das pessoas que vivem sem abrigo, que vivem na rua. Muitas vezes o serviço de higiene urbana tem de tirar as coisas dessas pessoas. Tirar coisas a pessoas que já não têm nada.

O que eu notava quando entrei para este serviço é que a maior parte das pessoas que viviam na rua tinham problemas mentais. Era uma questão relacionada com saúde mental.     

 

E o que eu noto agora é que a população sem-abrigo tem vindo a baixar a idade e cada vez mais vejo pessoas estrangeiras, pessoas que não são propriamente doentes mentais, têm só azar na vida. Mas é sempre uma coisa que parte o coração ver aquelas pessoas... Eu dou por mim a pensar que estou a tratar as pessoas como lixo.

 

Uma das coisas que eu sinto na higiene urbana é que as pessoas não são muito valorizadas. E o cantoneiro é chamado o ‘homem do lixo’. E se há alguém que não faz lixo é o cantoneiro.”

 

Conheça a história do Pedro aqui:


Agora que conhece o Pedro, deixe-se levar nesta viagem pelas vidas daqueles cujas vidas se cruzam com o dia por um instante e decidem viver em ContraCiclo. Todos os episódios, aqui.