Para muitos de nós, a infância tem um sabor especial. Sabe a “avós”. Aquelas pessoas que, sem saberem, nos marcam para a vida toda, nos inspiram e dão um gosto especial às palavras colo e conforto. Para o Bruno não foi diferente.

 

“O meu avô andava sempre de táxi para todo o lado, e eu cresci com ele. Os meus pais trabalhavam imenso para me sustentar porque foram pais muito novos. Não foi fácil para eles. O meu pai tinha dois trabalhos. A minha mãe estudava e trabalhava.

 

Então eu tinha que ficar muitas vezes ou com a minha avó, mãe do meu pai, ou com o meu avô. E o meu avô levava-me para todo o lado. Eu estava sempre com o meu avô. Passei, praticamente, toda a minha infância com ele. Talvez aí possa ter ficado qualquer coisa dentro de mim, que eu não consegui perceber na altura. Acredito que sim.

 

Acredito que as pessoas têm outros papéis depois de morrerem. Eu acho que o meu avô me continua a apoiar. E tenho um grande pai, incrível, e um tio também incrível, que são exemplos, mas o meu avô é o maior exemplo de homem da minha vida. Tanto é que eu quase não chorei quando ele morreu. Tenho saudades dele.”

 

Está na hora.

 

O relógio dita as horas de saída. Enquanto a maioria de nós acaba de jantar e se prepara para o momento de descanso, para o Bruno os ponteiros do relógio mostram o percurso inverso. Chega o momento de se despedir da mulher, beijar o filho que se prepara para dormir, e sair. Todas as noites são uma incógnita vivida com gosto.

 

Ainda assim, é inevitável a pergunta que lhe fazemos, até porque nos contou que a vida já lhe levou por várias profissões. Porquê a escolha de ser taxista noturno?

 

“Eu gosto que a maior parte do meu trabalho seja feito de noite. Até porque na minha profissão, sejamos honestos, não há trânsito à noite. O Vicente não tem o impacto de me ver a sair de casa. Ele não tem de passar por isso, eu passo por isso. Para a Xixana é pior. Porque é sempre um sair de casa de noite. E, hoje em dia, e no sítio onde eu trabalho, o táxi não é propriamente uma coisa perigosa, mas há sempre algum perigo. Não sabemos quem vai entrar.

 

Eu estava com complicações para acabar o 12º por causa da matemática e encontrei o curso de comunicação empresarial. Era bom aluno às disciplinas técnicas, mas depois, as coisas separaram-se, os caminhos foram para outros lados e eu decidi fazer outra coisa. Fui mudando e arranjei um trabalho na Califórnia. Até que da última vez que vim da Califórnia, eu disse para a Xixana e para o Vicente: ‘Eu não aguento mais isto, não consigo estar mais tempo assim. Fora de vocês e fora dos meus pais.’

 

Eu gosto disto. Sempre tive esta pancada de taxistas. Tenho vários amigos taxistas, sempre tive ligação com esta malta. Porque não?”.

 

E depois há o avô. Aquela memória que inspira, aquele bater de coração desperto pelas lembranças das muitas viagens de táxi que o ligam ao homem que tanto o marca.

 

Não nega, em momento algum, que gosta mais de trabalhar à noite do que gostava quando saía à noite, “porque a noite é mística. Estou mais em paz, está menos trânsito, menos perigo. E eu identifico-me com esta atmosfera que a noite cria entre as luzes e a escuridão e também um bocado a solidão, porque a noite dá-me isso”, confessa.

 

Mas como se vive com a solidão nas intermináveis horas madrugada dentro? Para o Bruno, é quase como se fosse o seu momento de instrospecção diário: “consigo estar a pensar em mim e nas coisas que eu gosto, nas coisas que eu quero fazer. E depois tenho tempo para acompanhar o meu filho assim que ele sai da escola, que é o mais importante.”.

 

Contraciclo Bruno taxi

 

No final, deixou-nos uma questão que conseguiu que todos acabássemos a entrevista a pensar:

“Se tu tiveres um trabalho com horário normal, que tempo tens para fazer as tuas coisas? Nenhum. Eu tenho tempo para a minha vida toda. Eu nunca tive isto na vida, em nenhuma profissão.”    

 

Conheça o Bruno, nesta entrevista tão emotiva.

 

 

 

Agora que conhece o Bruno, deixe-se levar nesta viagem pelas vidas daqueles cujas vidas se cruzam com o dia por um instante e decidem viver em ContraCiclo. Todos os episódios, aqui.