Existem histórias que nos prendem. Relatos que mexem connosco. Há conversas que nos mudam e nos fazem pensar. Pegando numa frase de uma entrevista anterior, há pessoas que conseguem mudar o seu metro quadrado todos os dias e fazem com que o mundo se torne um lugar melhor. Um sítio onde existe vontade de ser alguém.

 

A Catarina mudou-nos. Fez-nos pensar e emocionou-nos.

 

Não é que ser enfermeira fosse algo que quisesse ser. Até porque, no que diz respeito às profissões na área da saúde, há sempre uma vocação associada. No seu caso, houve uma devoção e convicção que a fez entrar na enfermagem e nunca mais sair.

 

“Sou de uma cidade muito pequena de Portugal na Beira Alta, Pinhel. Fiz enfermagem na Escola de Enfermagem da Guarda e um dia decidi partir à aventura para o sul do país”. Estávamos em 1995. Nunca mais saiu de Faro.

 

Encontramo-nos enquanto se prepara para sair para mais um turno. É na sua mota que cruza a noite rumo ao serviço de Medicina Intensiva do Centro Hospitalar Universitário do Algarve. É a sua “segunda casa”, confessa enquanto relembra que também faz parte da equipa de socorro do helicóptero de emergência médica, onde ganha “asas para chegar aos sítios” que precisam de cuidados de saúde hospitalares e de cuidados mais diferenciados.

 

Mas como é ser enfermeira? Como se vive a noite num serviço intensivista e, principalmente, nos dois últimos anos? São tempos “complexos e difíceis”, confessa.

 

Catarina Tavares

 

A emoção toma conta de todos os que ouvem Catarina relatar a elasticidade que os profissionais de saúde tiveram e têm que ter para se adaptarem a esta realidade. Os desafios, o cansaço e o impacto emocional que tem na vida de todos os que lidam diariamente com os palcos de dramas humanos constantes, exacerbados nestes dois últimos anos.

 

“Vivemos diariamente com a necessidade de confrontar as pessoas com a possibilidade – que fazemos questão de lhes dar sempre que estão conscientes e que é possível – de fazerem um telefonema para os familiares que pode ser o telefonema de despedida. Temos que confrontar as pessoas com a necessidade de serem entubadas e ventiladas e, infelizmente, muitas delas têm que efectuar o último telefonema para a família. Se é duro para os que recebem e para os que fazem este telefonema, também é muito duro para os profissionais de saúde”.

 

Mas como é que um profissional de saúde lida com o fim de vida, com a morte e com os dramas humanos? “A melhor forma é estar o melhor preparado possível. E estar o melhor preparado possível é ter o melhor conhecimento e a melhor formação possíveis. É actuar de acordo com as melhores práticas. A melhor forma de sairmos de consciência tranquila de uma situação em que lidamos com a morte todos os dias é termos a certeza de que fizemos tudo ao nosso alcance”.

 

Se o lado emocional faz braço de ferro com o racional, a verdade é tem que existir uma força muito grande para ter a consciência de que “a morte está presente no nosso dia-a-dia. Sabemos que em muitas situações é inevitável. Os profissionais de saúde são treinados para salvar vidas, mas, cada vez mais, temos que estar preparados para acompanhar finais de vida”.

 

Contraciclo Catarina Tavares

 

Mas também existem bons momentos. Com humor, com carinho e com homenagens inesquecíveis como a da paciente que lhe ofereceu um quadro com a pintura de Catarina Eufémia.

 

Ao longo da conversa, Catarina confessa que “é muito difícil ser enfermeira em Portugal, porque há um grande desconhecimento do que é a enfermagem, e há uma grande confusão em relação ao que é ser enfermeiro. E ser enfermeiro é uma ciência. Temos, obviamente, de realizar uma série de gestos técnicos fundamentais e importantes, mas ser enfermeiro é muito mais do que isso. É estar presente para ajudar e substituir as pessoas no autocuidado em momentos de transição na vida”.

 

Não é uma profissão para todos. “A maior parte dos profissionais de saúde em Portugal são workaholics. Sim, sou um pouco workaholic, porque não gosto de dizer que não aos desafios que me surgem. Digo demasiados sins. Trabalho muito, muitas horas, mas sempre que posso também gosto muito ‘do outro lado’. As férias são sempre muito, muito desejadas. Costumo dizer que trabalho para ir de férias. Para ir conhecer o mundo”.

 

Contraciclo Catarina Tavares enfermeira intensivista

 

E o que esconde a noite? “Nunca foi assustadora para mim”, diz-nos frisando que gosta desta altura do dia desde os tempos de estudo. “Há algo de místico. O que se passa na noite, fica na noite. Sempre gostei muito mais de fazer actividades à noite, do que de me levantar cedo. Quando visitei Nova Iorque fiquei fascinada com o corrupio que havia às quatro da manhã. Tudo estava a funcionar”.

 

Além disso, é na “noite que se guardam e tratam os medos”.

 

Conheça a Catarina nesta entrevista inesquecível.

 




Agora que conhece a Catarina, deixe-se levar nesta viagem pelas vidas daqueles cujas vidas se cruzam com o dia por um instante e decidem viver em ContraCiclo. Todos os episódios, aqui.